Ferroadas

O que é uma internação? Uma sucessão de batidinhas na porta e picadas, eu diria. Uma agulhada para o soro, outra para o dreno e mais uma para a medicação na veia.
 
Ao longo do dia, picadinhas para medir a glicose. A trombose é evitada com uma espetada na barriga. Se o acesso é perdido, o que acontece muito, lá vem mais um furo para abrir outra estrada venosa. E segue o baile hospitalar das ferroadas, no compasso do destempero da comida hipossódica, que também é uma picada. Esta, no paladar de um bom garfo.
E falando em baile
Quatro da madrugada. Aquela batidinha protocolar na porta anuncia a primeira agulhada do dia. A enfermeira canta a droga que me protegerá de algum mal estomacal: Digesan.
Minutos após a picada, veio a pior sensação que já senti. Difícil descrever. Boca seca, inquietude, pânico, desespero. Uma ansiedade gigante, nunca antes sentida. Escovei os dentes umas dez vezes e caminhei algumas centenas de metros dentro do quarto. Pensei, de verdade, ser sintoma de abstinência de Coca-Cola. Cogitei ser um surto psicótico decorrente desta longa internação que me priva de pequenos prazeres cotidianos.
O desconforto foi tal que planejei uma fuga. Sem tirar o pijama, sairia em disparada do hospital, avisando Josi pra me resgatar em algum ponto da Durval Nicolau.
Há vários relatos de efeitos indesejáveis do Digesan. Um convalescente da Santa Casa de Ituiutaba jurou ter visto o Odair José entrar no quarto de jaleco, estetoscópio no pescoço, cantarolando em voz mansa: Pare de Tomar a Pílula, com olhar clínico e tom de recomendação. Diante desse testemunho, não achei que minha aflição foi a pior.
 
Lauro Augusto Bittencourt Borges é bancário e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista 
Instagram: @lauroborges
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Ao longo do dia, picadinhas para medir a glicose. A trombose é evitada com uma espetada na barriga. Se o acesso é perdido, o que acontece muito, lá vem mais um furo para abrir outra estrada venosa. E segue o baile hospitalar das ferroadas, no compasso do destempero da comida hipossódica, que também é uma picada. Esta, no paladar de um bom garfo.
E falando em baile
Quatro da madrugada. Aquela batidinha protocolar na porta anuncia a primeira agulhada do dia. A enfermeira canta a droga que me protegerá de algum mal estomacal: Digesan.
Minutos após a picada, veio a pior sensação que já senti. Difícil descrever. Boca seca, inquietude, pânico, desespero. Uma ansiedade gigante, nunca antes sentida. Escovei os dentes umas dez vezes e caminhei algumas centenas de metros dentro do quarto. Pensei, de verdade, ser sintoma de abstinência de Coca-Cola. Cogitei ser um surto psicótico decorrente desta longa internação que me priva de pequenos prazeres cotidianos.
O desconforto foi tal que planejei uma fuga. Sem tirar o pijama, sairia em disparada do hospital, avisando Josi pra me resgatar em algum ponto da Durval Nicolau.
Há vários relatos de efeitos indesejáveis do Digesan. Um convalescente da Santa Casa de Ituiutaba jurou ter visto o Odair José entrar no quarto de jaleco, estetoscópio no pescoço, cantarolando em voz mansa: Pare de Tomar a Pílula, com olhar clínico e tom de recomendação. Diante desse testemunho, não achei que minha aflição foi a pior.
 
Lauro Augusto Bittencourt Borges é bancário e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista 
Instagram: @lauroborges
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João Batista Fernandes
São João da Boa Vista
24/06 17:07
É assim mesmo Lauro, é nesses momentos que a gente tem que refletir e dar valores para as pequenas coisas que a gente gosta de fazer guando estamos bem, mas se você recuperou bem também valeu o sacrifício.