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Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Gosto de Roça
São João da Boa Vista|cultura|04/07 08:54|68 visualizações
Levei tempo para sair da roça, e mais para entender que ela nunca saiu de mim. Dia de tempo chuvoso, não quando os carros escorregam pelas ruas, mas no desprender-se da vida, pensamento distante. Sempre se vê uma galinha sob a mangueira e o passarinho quieto entre as folhas. Dentro de casa, barro pelo quintal, fronteira intransponível, buscamos o que fazer. Uma brincadeira aqui, outra ali, a mãe que não sabe mais o que inventar para ficarmos quietos.


Não brinca perto do fogão.


A lenha crepita e o almoço borbulha nas panelas de fundo preto. O cheiro do feijão refogado em banha de porco corre pelos pequenos cômodos e assanha nossas lombrigas. Olhares fugidios suplicam para que as nuvens parem de espargir a água em pingos pela cumeeira. Mas ela é insistente. Cinzentas, dominam o céu e rajadas de vento sacodem as paineiras.


A folha do caderno recebe os riscos dos desenhos, as meninas jogam saquinhos e o tédio se avoluma até o grito:


Vamos almoçar.


A longa mesa, cercada por bancos, acomoda um a um. As panelas ficam sobre o fogão: a travessa traz o arroz branco a cumbuca, o feijão, o frango ensopado em pedaços contados e a salada de alface na tigela.


Quem foi à horta?


Corro para a porta da cozinha e vejo as botas com as solas raspadas no fio da enxada. Curiosidade de menino sem ter o que fazer, só para arrumar assunto.


Vem comer, Fernando!


Volto para a mesa, acomodo-me no lugar que restou. Como, como e como. Em certo momento, na obrigatoriedade de não deixar nada no prato, um irmão grita.


Quem quer?


Eu.


Levanto a mão, sou ligeiro neste momento.


O passado se dissolve no ruído do ônibus que estrila ferro com ferro na frenagem abrupta por causa do pedestre que se arriscou a correr pela rua no amainar do tempo.


A chuva voltou forte, mas já não tem gosto de barro nem cheiro de feijão. Encosto à parede da loja. Talvez um café ajude a revolver o que ficou para trás.


Fernando Dezena

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