Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Gosto de Roça


Não brinca perto do fogão.
A lenha crepita e o almoço borbulha nas panelas de fundo preto. O cheiro do feijão refogado em banha de porco corre pelos pequenos cômodos e assanha nossas lombrigas. Olhares fugidios suplicam para que as nuvens parem de espargir a água em pingos pela cumeeira. Mas ela é insistente. Cinzentas, dominam o céu e rajadas de vento sacodem as paineiras.
A folha do caderno recebe os riscos dos desenhos, as meninas jogam saquinhos e o tédio se avoluma até o grito:
Vamos almoçar.
A longa mesa, cercada por bancos, acomoda um a um. As panelas ficam sobre o fogão: a travessa traz o arroz branco a cumbuca, o feijão, o frango ensopado em pedaços contados e a salada de alface na tigela.
Quem foi à horta?
Corro para a porta da cozinha e vejo as botas com as solas raspadas no fio da enxada. Curiosidade de menino sem ter o que fazer, só para arrumar assunto.
Vem comer, Fernando!
Volto para a mesa, acomodo-me no lugar que restou. Como, como e como. Em certo momento, na obrigatoriedade de não deixar nada no prato, um irmão grita.
Quem quer?
Eu.
Levanto a mão, sou ligeiro neste momento.
O passado se dissolve no ruído do ônibus que estrila ferro com ferro na frenagem abrupta por causa do pedestre que se arriscou a correr pela rua no amainar do tempo.
A chuva voltou forte, mas já não tem gosto de barro nem cheiro de feijão. Encosto à parede da loja. Talvez um café ajude a revolver o que ficou para trás.
Fernando Dezena
Comentar usando as Redes Sociais