Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Vai a aliança, fica o olhar


Se preciso, arrancam o dedo com dentadas. Gordo pelo tempo, a carne já obstruída não há piedade. Se o desespero do roubado for maior ao ver o utensílio que guarda a bênção divina mudar de mãos, pode vir o tiro certeiro. A aliança muda de dedo, unindo-se a outra, também abençoada, no luto.
 
A marca formada, que me lembra os anéis de pescoço da tribo Ndebele, tardou a sumir. Hoje, um fio de cabelo já nasce na outrora pele branca. E caminho pelas ruas empoeiradas de São Paulo, despido de qualquer adorno. O relógio ainda guardo sob a manga da camisa, mas não há notícia de que estejam à procura deles, pelos pulsos da cidade. Do celular, apetrecho obrigatório no bolso dos homens e nas bolsas das mulheres retirei os aplicativos bancários. Outro risco para a saúde corporal e financeira. Conseguem, com ele aberto, exigência feita pelos malandros, punguistas dos novos tempos, raspar sua conta bancária e despejar os valores de forma fragmentada em contas de laranjas que, por sua vez, sacam e entregam ao alheio.
Nem tudo é desespero. Não, meus amigos. Para terem uma ideia, quando morei na Baixada Santista, aprendi que lá, como cá, não se deve andar como vitrine de joalheria. A vestimenta correta, para não ser abordado por ciclistas armados, é: chinelo, bermuda e camiseta da pior qualidade. Nem por isso deixamos de ser felizes. O mar traz um sentimento de união, de força do mundo que no concreto da cidade não existe. O cinza é triste e nos adornarmos, para melhorar a cidade, é quase que obrigatório. Mas, como os prédios, estamos também ficando cinzas.
No meio de tudo isso, restam os olhos da Luciane firmes, doces, sem adorno algum. Se não fossem eles, o que seria de mim?
 
Fernando Dezena
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