Tocko, o artesão da emoção sonora

Amigos de infância na Tereziano Valim, do futebol na rua, do futebol de botão, do polícia e ladrão, das matinês de Carnaval, em algum momento da nossa adolescência os novos interesses e as veredas da vida nos distanciaram. Recentemente, nos corredores de um supermercado, reencontrei o antigo parça, Tocko Michelazzo, que minha vó Fiuca chamava carinhosamente de Gastãozinho.
 
Na rápida prosa, descobri que ele, assim como eu, mora num cantinho recôndito em Águas da Prata. Na verdade, a história que segue vai contar que esse lar montanhês é um recanto vital da jornada corrida que Tocko e a mulher cumprem nas coxias da Pauliceia.
Foi no piano doméstico da mãe Marly, professora e dona de múltiplos talentos artísticos, que ele escutou as primeiras pequenas notas que afinariam seu destino. A música entrou pela casa, pelos poros e pelo ouvido sensível daquele menino da Tereziano, caçula do engenheiro Gastão.
Da infância aos primeiros tablados, o caminho foi natural. Vieram as bandas juvenis, os ensaios, os palcos improvisados e as descobertas do som ao vivo. Entre elas, marcou época a Tiroteio Country, na qual ele atuou como tecladista e que serviu de ponte sonora para algo maior que estava por vir.
No fim do século passado, num Réveillon desses em que o calendário vira e o coração se ajeita, surgiu Lia, uma mulher forte, dona de sensibilidade artística e incentivadora da carreira dele. Ela foi cantar com a banda em que Tocko tocava. A música os aproximou. O amor fez o resto. Daquele encontro, nasceu uma parceria de vida e, logo depois, de vocação compartilhada. Lia começou como microfonista hoje é operadora de som. Os dois aprenderam a ler a cena e o mundo pelas partituras da alma.
Antes de se tornarem referência nacional, o trajeto passou por São João da Boa Vista. Tocko teve ali um pequeno estúdio de jingles campanhas políticas e publicitárias ecoavam de dentro das paredes simples. Mas a estrada logo pediu novos horizontes. Em São Paulo, ingressou no IAV, Instituto de Áudio e Vídeo, onde se destacou. Ali ouviu a pergunta que definiria seu caminho:Você quer ser músico ou técnico?Optou pela área técnica e, sem saber, escolheu a trilha que o levaria ao primeiro plano dos bastidores brasileiros.
O primeiro trabalho profissional veio como operador de monitor no espetáculo Vitor ou Vitória, ao lado de Marilia Pêra, indicação do professor do IAV. Vieram cursos, especializações, o domínio das mesas digitais e a convivência com equipes internacionais que aportavam no Brasil trazendo seus próprios técnicos. Tocko assistia, aprendia, absorvia. Humilde, paciente, ético, nunca precisou levantar a voz para conquistar espaço seu talento se impunha pela excelência no ofício. Ascendeu logo e passou a liderar times de som.
E eis que o destino soprou um vento daqueles que só passam uma vez. Nos bastidores de Aida, o diretor procurava um sound designer. Lia ouviu e, antes que Tocko pudesse duvidar de si, ela o indicou. Ele relutou, se assustou, mas aceitou. Ali, naquele instante divisor de ciclos, nascia o sound designer. Daquele ponto em diante, o menino que viera da Tereziano deixou de coordenar equipes de áudio e passou a concebê-lo.
Vieram quase 25 anos nas coxias dos grandes musicais brasileiros. Vieram prêmios, os maiores do teatro nacional. Chegaram montagens de peso, como Aida, Pretty Woman O Musical, Singin in the Rain e tantas outras que lotam plateias e encantam cidades. Vieram também os aplausos de gigantes da cena, como Cláudia Raia, Marisa Orth e Miguel Falabella, que reconhecem em Tocko não só a virtuose técnica, mas a sensibilidade de quem faz a plateia sentir antes mesmo de compreender.
E veio o mais simbólico de todos os reconhecimentos: quando os grandes espetáculos estrangeiros chegavam ao Brasil, traziam seus técnicos de fora. Hoje, não trazem mais. Confiam nele. E mais: levam Tocko para assinar desenho sonoro em outras praças, recentemente México e Portugal. De aprendiz dos gringos, tornou-se referência a quem os gringos pedem luz.
Na Prata, ele, Lia e a filha Gabriela encontraram o que a capital não dá: silêncio, poesia, pés descalços na terra. Um refúgio longe do frenesi teatral, feito de afeto, simplicidade e pertencimento. Ali, onde os ruídos se transformam em paz, talvez ele compreenda melhor o que oferece ao mundo: o dom de traduzir emoção em ondas sonoras.
Como disse lá no começo, em algum instante das nossas existências, nossas trajetórias tomaram rumos distintos. Hoje, conhecendo o brilho com que ele se destaca num meio tão eivado de competição e vaidades, pelo testemunho da mulher que o acompanha, é um orgulho, e um sentimento verdadeiro, saber que o Tocko daquela Tereziano Valim, generoso e leal, está no topo da carreira no teatro brasileiro sem perder sua essência.
Porque há gente que nasce para estar sob a luz da ribalta.E há os raros, como ele, que nascem para fazer a cena conversar com o público.E, ao cair do pano, seguem inteiros, fiéis ao que são.
Lauro Augusto Bittencourt Borges é bancário e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista - Instagram: @lauroborges
compartinharenviar informaçõesenviar foto comentar 
Na rápida prosa, descobri que ele, assim como eu, mora num cantinho recôndito em Águas da Prata. Na verdade, a história que segue vai contar que esse lar montanhês é um recanto vital da jornada corrida que Tocko e a mulher cumprem nas coxias da Pauliceia.
Foi no piano doméstico da mãe Marly, professora e dona de múltiplos talentos artísticos, que ele escutou as primeiras pequenas notas que afinariam seu destino. A música entrou pela casa, pelos poros e pelo ouvido sensível daquele menino da Tereziano, caçula do engenheiro Gastão.
Da infância aos primeiros tablados, o caminho foi natural. Vieram as bandas juvenis, os ensaios, os palcos improvisados e as descobertas do som ao vivo. Entre elas, marcou época a Tiroteio Country, na qual ele atuou como tecladista e que serviu de ponte sonora para algo maior que estava por vir.
No fim do século passado, num Réveillon desses em que o calendário vira e o coração se ajeita, surgiu Lia, uma mulher forte, dona de sensibilidade artística e incentivadora da carreira dele. Ela foi cantar com a banda em que Tocko tocava. A música os aproximou. O amor fez o resto. Daquele encontro, nasceu uma parceria de vida e, logo depois, de vocação compartilhada. Lia começou como microfonista hoje é operadora de som. Os dois aprenderam a ler a cena e o mundo pelas partituras da alma.
Antes de se tornarem referência nacional, o trajeto passou por São João da Boa Vista. Tocko teve ali um pequeno estúdio de jingles campanhas políticas e publicitárias ecoavam de dentro das paredes simples. Mas a estrada logo pediu novos horizontes. Em São Paulo, ingressou no IAV, Instituto de Áudio e Vídeo, onde se destacou. Ali ouviu a pergunta que definiria seu caminho:Você quer ser músico ou técnico?Optou pela área técnica e, sem saber, escolheu a trilha que o levaria ao primeiro plano dos bastidores brasileiros.
O primeiro trabalho profissional veio como operador de monitor no espetáculo Vitor ou Vitória, ao lado de Marilia Pêra, indicação do professor do IAV. Vieram cursos, especializações, o domínio das mesas digitais e a convivência com equipes internacionais que aportavam no Brasil trazendo seus próprios técnicos. Tocko assistia, aprendia, absorvia. Humilde, paciente, ético, nunca precisou levantar a voz para conquistar espaço seu talento se impunha pela excelência no ofício. Ascendeu logo e passou a liderar times de som.
E eis que o destino soprou um vento daqueles que só passam uma vez. Nos bastidores de Aida, o diretor procurava um sound designer. Lia ouviu e, antes que Tocko pudesse duvidar de si, ela o indicou. Ele relutou, se assustou, mas aceitou. Ali, naquele instante divisor de ciclos, nascia o sound designer. Daquele ponto em diante, o menino que viera da Tereziano deixou de coordenar equipes de áudio e passou a concebê-lo.
Vieram quase 25 anos nas coxias dos grandes musicais brasileiros. Vieram prêmios, os maiores do teatro nacional. Chegaram montagens de peso, como Aida, Pretty Woman O Musical, Singin in the Rain e tantas outras que lotam plateias e encantam cidades. Vieram também os aplausos de gigantes da cena, como Cláudia Raia, Marisa Orth e Miguel Falabella, que reconhecem em Tocko não só a virtuose técnica, mas a sensibilidade de quem faz a plateia sentir antes mesmo de compreender.
E veio o mais simbólico de todos os reconhecimentos: quando os grandes espetáculos estrangeiros chegavam ao Brasil, traziam seus técnicos de fora. Hoje, não trazem mais. Confiam nele. E mais: levam Tocko para assinar desenho sonoro em outras praças, recentemente México e Portugal. De aprendiz dos gringos, tornou-se referência a quem os gringos pedem luz.
Na Prata, ele, Lia e a filha Gabriela encontraram o que a capital não dá: silêncio, poesia, pés descalços na terra. Um refúgio longe do frenesi teatral, feito de afeto, simplicidade e pertencimento. Ali, onde os ruídos se transformam em paz, talvez ele compreenda melhor o que oferece ao mundo: o dom de traduzir emoção em ondas sonoras.
Como disse lá no começo, em algum instante das nossas existências, nossas trajetórias tomaram rumos distintos. Hoje, conhecendo o brilho com que ele se destaca num meio tão eivado de competição e vaidades, pelo testemunho da mulher que o acompanha, é um orgulho, e um sentimento verdadeiro, saber que o Tocko daquela Tereziano Valim, generoso e leal, está no topo da carreira no teatro brasileiro sem perder sua essência.
Porque há gente que nasce para estar sob a luz da ribalta.E há os raros, como ele, que nascem para fazer a cena conversar com o público.E, ao cair do pano, seguem inteiros, fiéis ao que são.
Lauro Augusto Bittencourt Borges é bancário e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista - Instagram: @lauroborges
Comentar usando as Redes Sociais










