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Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Salvação
São João da Boa Vista|cultura|08/03 08:50|68 visualizações
Todos ao vento, velas ao mar!


Gritava e balançava a mão, olhando ao redor. Um grito forte, de homem rude, camisa desabotoada, peito aberto. A mão direita em riste, o pacote de jornais amassado sob o braço esquerdo.


Não tenham medo. Todos a bordo.


Fiquei ali, olhando sem sentir. Havia o da Bíblia que, com uma caixa expelindo sons metálicos, bradava pela salvação. Para onde fora? Dera lugar ao intrépido marinheiro que concitava o povo, não para a salvação, mas para desbravar os mares.


As pessoas passavam sem dar importância. A mulher de saia justa, passos curtos e apressados, outra carregando, em arrastão, o filho pequeno, quase lhe arrancando o braço, pessoas sentadas à sombra, conversando sobre futebol e o preço dos alimentos. O que mais sofria era o porteiro do número 1418. Com seu terno puído e engomado, calor de quarenta graus, tinha de ouvir os gritos de lunáticos navegadores sem arredar pé. Mas qual navegar não o é?


O carrinho de sorvete passou instigante. Pedi um de limão. No verão, nunca ficam gelados o suficiente para evitarmos os pingos melados. É preciso ter cuidado. Na minha infância, corriam pelo queixo, antebraço e cotovelo, como mangas maduras. Hoje, vestimenta social imposta pelos afazeres, é preciso cuidado, muito cuidado. Com rapidez, consegui evitar que um pingo branco e viscoso atingisse a ponta lustrada do sapato. Enfiei o que restava na boca, doce e gelado, doeu-me a testa, respirei fundo, engoli saliva, diminuiu lentamente. Sentado sob a árvore, murinho de cimento, observei o cachorro sair da barraca: esticou as patas dianteiras elevando as ancas, abriu a boca em bocejo. Uma da tarde, hora de procurar o que comer deve ter pensado. Do seu dono, só se via os pés escapulindo no vão da lona.


A mulher voltou, rapidamente, puxando o filho na direção contrária. É comum as pessoas se perderem neste labirinto de vielas em calçadões. Entra por aqui, sai por ali e chega-se ao mesmo lugar. É preciso intimidade com os prédios há tanto encrustados neste chão. Às vezes, fujo ao pensar nos homens de outrora, que perambulavam por estas mesmas ruas à procura das mesmas coisas que procuro.


Veio-me a imagem, naquele tempo, de alguém concitando os homens para o mar, para a guerra, para a revolução. E sempre, sempre, alguém pregando a salvação. 
 
Fernando Dezena
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