Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Ver ou não Ver


O ritual é sempre o mesmo: apalpo o último botão da camisa, onde costumo pendurá-los, varro a mesa observando com acuidade e revisto os bolsos. Nessa ordem. Se, ainda assim, não os encontro, pronto: o desespero bate.
Houve um momento em que resisti ao uso. Uma amiga de Sorocaba, Marta, dizia que não devemos recorrer aos óculos enquanto os braços ainda esticam  e, ainda, ler sem eles exercita os músculos oculares. Retarda o inevitável. Mas, preguiçoso que sou, corri logo para a solução mais fácil.
 
Sugeriram-me aquele cordãozinho que os mantém presos ao pescoço. Usei por um tempo, até descobrir que babava ao falar, e as lentes ficavam com frequência cobertas por gotículas de saliva. Bastava trazê-los ao rosto para estarem embaçados e imprestáveis. Além dos óculos, eu precisava de um lenço para limpá-los constantemente.
 
Irritado, deixei de encomendar modelos em óticas especializadas e passei a comprá-los nas bancas de rua. Espalhei vários: pelo Cafofo, na mesa da cooperativa, na mochila que leva o computador, no console do carro. E, claro, um comigo. Baratos, problema resolvido, pensei.
Mudei de ideia ao visitar uma fábrica de lentes em São Bernardo. O proprietário mostrou-me os malefícios dessa improvisação e ofereceu um par de presente para eu experimentar. Comprei a armação, enviei a receita e, de fato, percebi a diferença. Uso esse modelo hoje, fielmente. Até o dia em que o perder, claro.
Tenho outros escondidos em pontos estratégicos, para emergências? Nunca se sabe. Pensando bem, às vezes, não ver certas coisas é uma dádiva.
 
Fernando Dezena
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